Saturday, November 18, 2006

texto 1


Não sei definir o início. Sei no entanto quem elegi como primeiro espectador, quando o primeiro deveria ter sido eu. O espectador que elegi é no entanto involuntário, foi quem assistiu ao nosso primeiro encontro. Vi-o a olhar na minha direcção, vi-o a ver-me a caminhar na tua... e queria ver-te. Queria também vê-lo a vermo-nos pela primeira vez, queria saber o que ele estava a pensar quando me viu a entregar-te a chave, e queria saber para quem ficou a olhar depois de ter entregado a chave. Para mim ele é o primeiro espectador. Ele, de quem apenas me lembro do olhar, é quem guarda a emoção de ter sido o primeiro espectador, sem o saber. Mas lembro-me ainda do teu sorriso, de te teres levantado quando eu queria ficar contigo sentado a observar as pessoas que jogavam às cartas, lembro-me de não ter tido outra alternativa a não ser dar-te as chaves... Lembro-me que entretanto te perdi de vista, e lembro-me de te ter procurado na direcção da minha casa... Lembro-me que numa das vezes pareceu-me ter-te visto parado a olhares para algo que tinhas na mão, assumi que de facto eras tu, que olhavas para o meu endereço que tinhas guardado no telemóvel, e lembro-me de estar sereno. Não saí para comprar o perfume tal como te tinha dito, no entanto tu, o rapaz de ténis vermelhos com quem tinha falado, foste a minha casa desenvolver a performance sem espectador.
Antes de sair de casa, tocaram três vezes à campainha de minha casa. Pensei que poderias ter sido tu e por isso, da primeira vez, não fui ver quem era, na segunda fui, do outro lado ninguém respondeu, por isso voltei para a casa-de-banho e continuei a desfazer a barba, quando ouvi pela terceira vez a campainha, voltei novamente ao interlocutor e apenas disse “sim”, mais uma vez ninguém respondeu. Decidi então abrir a porta de entrada para o prédio. Fui tomar banho... Entretanto ninguém tivera batido à porta. Era tarde, já seriam seis horas da tarde, a hora combinada para me encontrar contigo, e eu ainda estava em casa. Acabei de me arranjar à pressa – achei que o meu cabelo estava horrível - e antes de sair do meu quarto olhei-o, sabia que ao voltar a ele o iria encontrar como nunca antes o havia encontrado. Fechei a porta e já estava prestes a sair de casa quando voltei para trás, para o olhar novamente. Vi-o, entrei nele, tentei sentir o que era aquele quarto até ali, tentei sentir o que ele iria deixar de ser e saí então ao teu encontro.
Fiquei incomodado ao chegar ao rés-do-chão do prédio e verificar que o caixote do lixo estava completamente cheio e que devido a isso havia sacos com lixo espalhados pelo chão, aos quais juntei mais dois que trazia comigo. Tive essa preocupação, não quis deixar lixo no meu quarto. Liguei o leitor de mp3 e fiquei à espera que aparecesse no ecrã a última música que tinha ouvido - não me recordava de qual tinha sido -, achei-a adequada, quando surgiu o seu nome no ecrã, tanto mais por já a ter tido partilhado contigo. Fui assim a ouvir “Look For Me (I'll Be Around)”, de Neko Case, ao teu encontro, tentando encontrar-te a caminho do nosso local de encontro. Entretanto recebi a mensagem no telemóvel, onde me informavas que te encontravas no jardim, sentado num banco, em frente aos homens que estavam a jogar às cartas. Deixei de te procurar e fui ter contigo, e aí vi o nosso primeiro espectador. E vi-te a ti, pela primeira vez, pessoalmente. Achei-te mais parecido com as fotografias que conhecia de ti do que aquilo que estava à espera. Por instantes até me pareceste uma delas e nesse momento quase te disse que era isso que estava pensar. Mas tínhamos um acordo, não podíamos falar no nosso primeiro encontro, por isso não falámos... A regra foi cumprida, mesmo quando queria dizer-te que tu eras parecido às tuas fotografias. Mas não falei. Tu também não. Apenas falaste no nosso segundo encontro, mas não comigo, falaste com a nossa primeira espectadora consciente da acção. Ouvi assim, pela primeira vez, a tua voz, mas tu ainda não ouviste a minha. A nossa segunda espectadora é uma mulher que não sabe se está apaixonada. Uma das mulheres que eu amo.