Saturday, November 18, 2006

Tudo é ficção

texto 4

Antes de continuar com a descrição daquilo que tem acontecido desde que “a coisa” começou, acho interessante dar-te a conhecer um dos textos que escrevi no decorrer deste ano de 2006, uns meses antes de termos iniciado este projecto. O homem do texto que se segue, e que está referenciado na terceira pessoa, inspira-se em mim, e as situações descritas tratam-se de situações que foram vividas mais ou menos da forma que estão apresentadas. Tenho um certo interesse em mostrar-te este texto neste momento pois mais tarde ou mais cedo com certeza que terá a sua razão para ser apresentado...


“O homem sozinho que sou”... Leu a frase pintada na parede de uma das casas que vê a caminho do trabalho. A ela acrescentou: não se dá a conhecer, apenas age de acordo com aquilo que é aparentemente esperado dele.

O facto de ele se encontrar cada vez mais sozinho também o incomoda. Tem a lucidez de, de vez em quando, o admitir; sobretudo quando entra no quarto e vê nele apenas a sua presença, sentindo assim a angústia da solidão a atingi-lo com uma intensidade inesperada. Durante o dia, o emprego é capaz de manter a sua mente ocupada - ou pelo menos é isso aquilo que ele quer que lhe aconteça. Quer começar a acreditar cegamente na ilusão que criara, que o facto de se manter ocupado com a banalidade do emprego é algo supostamente capaz de lhe acalmar o espírito, dedicando-se assim horas a fio ao trabalho de modo a que, quando entra no quarto, apenas lhe reste descansar, dormir e acordar na manhã seguinte, já com a luz do dia a anunciar-lhe a mesma rotina daquele que o antecedeu. E é assim que quer deixar os dias passarem por ele, onde o clima serve como pretexto para influenciar o seu humor definido ao acordar - de uma noite de sonhos ou pesadelos dos quais agora se recorda sempre -, admitindo à partida que é o que se estenderá ao longo das restantes horas sem grandes sobressaltos até voltar a entrar no quarto. É isso o que acaba por acontecer dias e dias consecutivos, o que o leva a acomodar-se ao conforto da rotina, por isso incomoda-o cada vez mais quando lhe acontece algo que é capaz de o desviar da monotonia em que gradualmente se vai embrenhando, que lhe atiça a ânsia esmorecida que teima em persegui-lo; a ânsia que o confronta com a constatação de que para a sua vida se tornar excitante e no quarto ver outra presença para além da dele não seria necessário um grande esforço, apenas necessitava de estar predisposto ou motivado para isso.

IR - Definições | Pressupostos | Problemáticas -> DPP 1


Comecei por lhe chamar “IR”; agora, em algumas intervenções, chamamos-lhe “a coisa”... não ficaria surpreendido se, um dia destes, e sem qualquer tipo de pretensão, lhe chamarmos apenas “a vida”. É a vida quem acaba por ser a protagonista desta obra... a minha, a dele, consequentemente a nossa, mas também a de todos que entram em contacto com a obra... A vida é assim, talvez, quem acaba por ser “o todo” desta criação.
A vida poderá servir igualmente de definição d’ “a coisa”, visto que “a coisa” não está definida à partida. “A coisa” alimenta-se precisamente da indefinição (é este o acesso directo e correcto a esta obra)... e, como bem se sabe, também a vida é assim.
De resto, outras abordagens feitas a esta obra são facilmente trespassadas pela própria, visto que ela é, e também aqui vai ao encontro da vida, aberta a essa ponto; pois assume-se que todas aproximações que lhe são feitas passarão também a fazer parte dela... da obra; da vida... E esta obra é isso tudo - onde também se inclui este texto.

texto 3


Tinha acabado de receber a mensagem - não estava à espera de a receber tão depressa -, onde dizias que estavas a caminho dos Armazéns do Chiado.
Disse então à mulher que não sabe se está apaixonada, e que tinha acabado de vir ao meu encontro, que íamos buscar as chaves de minha casa. Tentei explicar-lhe resumidamente o que se estava a passar, enquanto observava as reacções dela. “Vê lá onde me estás a meter”, disse-me em determinado momento. Achei então que o melhor seria explicar-lhe mais detalhadamente a tua peça de teatro, explicar-lhe em que consistia, e como se insere no projecto que agora se desenvolve. Observei novamente as reacções dela. Respondeu-me que já tinha conhecimento da peça, que tinha até, há uns tempos atrás, visto cartazes de rua a anunciá-la... Enquanto tínhamos essa conversa, caminhávamos na tua direcção, na direcção do local onde tínhamos combinado encontrarmo-nos pela segunda vez, onde, ao chegarmos, ficámos à tua espera, enquanto ela falava sobre as razões de não saber se está apaixonada. Vi-te então a sair da Fnac. A minha reacção foi virar-me para a nossa espectadora e dizer-lhe que tu vinhas aí, para se comportar como bem entendesse, eu e tu, apenas, não iríamos falar, tu só irias devolver-me as chaves de casa. E então aproximaste-te e cumprimentaste a nossa segunda espectadora e sorriste-lhe, deste-me as chaves e com elas recebi o fim do sorriso que tinhas formado, seguido de uma expressão séria e... foste embora. Fiquei indignado. Pareceste-me frio, distante, quase agressivo (um problema de atitude teu, fiquei a saber mais tarde); mesmo assim, isso não me impediu de, nesse momento, esquecer a nossa segunda espectadora e concentrar-me em ti a ver-te ir embora… a subires as escadas rolantes em direcção à saída dos Armazéns do Chiado. Reparei que tinhas uma mochila contigo, reparei que tinhas umas calças de ganga azuis escuras (na primeira vez, apenas tinha reparado no casaco azul e no saco de papel), reparei no teu rabo... Em seguida virei-me para a segunda espectadora e disse-lhe algo… Não me lembro o quê em concreto, mas lembro-me da ideia, algo do género: “e assim foi”. Queria conversar com ela sobre mais alguns pormenores daquilo que estava a acontecer, mas tínhamos pouco tempo, e o pouco tempo que tivemos foi para falar sobretudo dela, sobre a sua convivência com um rapaz que considera interessante, sobre o seu medo em perder a liberdade que tem neste momento, sobre a desilusão, sobre como iria ser o próximo encontro deles, sobre uma viagem que vamos deixar de fazer, sobre o facto de eu estar atrasado porque tinha um jantar combinado - nessa noite ia haver em casa de uns amigos meus um churrasco de S. Francisco, um acontecimento que iríamos comemorar em Lisboa – até nos despedirmos com a promessa de nos encontrarmos dentro de alguns dias para conversarmos com mais calma.
Fui então ao encontro daqueles que eu considero os meus primeiros espectadores individuais, embora existam duas pessoas que já o tinham sido. Duas pessoas a quem eu já tinha explicado a criação do projecto, mesmo antes de saber se íamos com ele em a frente ou não; por isso, essas duas pessoas prefiro considerá-las como os primeiros potenciais espectadores, caso fôssemos adiante com isto. Uma delas penso que se tornará numa daquelas pessoas que passou pela minha vida e que o tempo se encarregará de a levar com o passado, a outra não. A outra é a Paula, de quem já te falei.
Como estava a dizer, fui ter com os meus primeiros espectadores individuais: o Jo e a Patrícia. São namorados. O Jo tem um novo corte de cabelo e nessa noite vi-o pela primeira vez com o cabelo curto, quase rapado. Nunca o tinha visto com o cabelo tão curto. Disse-lhe que parecia mais velho, embora achasse que o corte lhe ficava bem. O corte anterior também lhe ficava bem, no entanto, quando lho vi dessa vez, disse-lhe. (Não gostava muito do corte que ele sempre tivera quando vivemos juntos em Coimbra). Desde que ele voltou de Espanha para Portugal, para Lisboa, todos os cortes de cabelo que lhe tenho visto ficavam-lhe bem. Em relação a ele também tenho a dizer que considero que, fisicamente, está a ficar cada vez mais bonito. A Patrícia é uma mulher espanhola linda. O sotaque dela adequa-se perfeitamente à sua beleza física e à sua personalidade. Não foi a primeira vez, mas recordo-me perfeitamente do quanto ela me deslumbrou há relativamente pouco tempo: andava com ela e o Jo às compras, queríamos comprar roupa, essencialmente. Numa das lojas que entrámos ela foi experimentar um belo vestido com uns sapatos de salto alto a condizer; quando saiu do provador para mostrar como lhe ficava o conjunto foi um momento mágico. Um desses momentos de magia de Hollywood. Quando refiro isso é porque ela podia perfeitamente passar por uma dessas estrelas que brilham em Los Angeles, com todo o seu glamour, na apresentação de algum grande evento cinematográfico - gosto de fazer essa associação, penso ser a adequada. Nessa noite também me deslumbrou, lembro-me dela ter tentado mostrar-me os seus belos seios, não me recordo do motivo (ela também não)... estávamos a ter uma conversa que acho que foi mal interpretada por ambos, o que pode acontecer por existir algumas vezes dificuldade de comunicação devido à diferença das nossas línguas-mãe. Não sei… mas foi um momento divertidíssimo… Perguntei-lhe porque me estava a tentar mostrar as mamas e ela em seguida bateu-me. Desatámos ambos a rir desgovernadamente. Recuperámos passado algum tempo para em seguida discutirmos a representação fálica impressa no cunho das notas e moedas do Euro.

click's d' "a coisa"










texto 2


Esta fase de iniciação do projecto está a revelar-se extraordinariamente excitante. Não param de surgir ideias novas e novas pessoas a interessarem-se pela ideia primordial. Está assim a surgir uma quantidade enorme de material para gerir e para organizar. Existem textos que já estão escritos mas que ainda não estão finalizados. Existe a vida para escrever.
Ando a tentar envolver mais algumas pessoas no projecto, pessoas essas muito especiais para mim. Existe uma necessidade assumida da teorização deste projecto, daí ter surgido a ideia de o ter apresentado a uma filósofa, que é também uma amiga minha - a Paula -; não só por ser um possível objecto de interesse de estudo para ela, mas também porque é uma das pessoas importantes, actualmente bastante presente, na minha vida. Para além dela existe ainda outra pessoa a quem o quero apresentar, um amigo dela, actualmente estudante de filosofia, e quem considero que juntamente com ela poderá ser uma mais valia, isso se ele estiver disposto a envolver-se. Para além disso estou a tentar apresenta-lo a outra mulher, a ela também a amo; ela que dadas as circunstâncias agora se encontra praticamente ausente da minha vida, mas da qual nunca deixou de fazer parte. Chama-se Isabel e é uma das pessoas que mais admiro. Inteligente, bonita, interessante e culta, são à partida quatro dos adjectivos que servem para a definir. Conheci-a por intermédio de um ex-namorado meu e durante aproximadamente cinco anos fomos muito próximos. Suponho que este projecto poderá ser ainda uma forma de a aproximar novamente de mim, visto que a vida profissional e sobretudo a distância espacial, que temos neste momento, fez com que actualmente raramente comuniquemos um com o outro. Presentemente pouco sei do que se passa na vida dela, mas seja como for alegra-me o facto de ela também ser referenciada nestes textos. Irei falar mais vezes dela, com toda a certeza.

texto 1


Não sei definir o início. Sei no entanto quem elegi como primeiro espectador, quando o primeiro deveria ter sido eu. O espectador que elegi é no entanto involuntário, foi quem assistiu ao nosso primeiro encontro. Vi-o a olhar na minha direcção, vi-o a ver-me a caminhar na tua... e queria ver-te. Queria também vê-lo a vermo-nos pela primeira vez, queria saber o que ele estava a pensar quando me viu a entregar-te a chave, e queria saber para quem ficou a olhar depois de ter entregado a chave. Para mim ele é o primeiro espectador. Ele, de quem apenas me lembro do olhar, é quem guarda a emoção de ter sido o primeiro espectador, sem o saber. Mas lembro-me ainda do teu sorriso, de te teres levantado quando eu queria ficar contigo sentado a observar as pessoas que jogavam às cartas, lembro-me de não ter tido outra alternativa a não ser dar-te as chaves... Lembro-me que entretanto te perdi de vista, e lembro-me de te ter procurado na direcção da minha casa... Lembro-me que numa das vezes pareceu-me ter-te visto parado a olhares para algo que tinhas na mão, assumi que de facto eras tu, que olhavas para o meu endereço que tinhas guardado no telemóvel, e lembro-me de estar sereno. Não saí para comprar o perfume tal como te tinha dito, no entanto tu, o rapaz de ténis vermelhos com quem tinha falado, foste a minha casa desenvolver a performance sem espectador.
Antes de sair de casa, tocaram três vezes à campainha de minha casa. Pensei que poderias ter sido tu e por isso, da primeira vez, não fui ver quem era, na segunda fui, do outro lado ninguém respondeu, por isso voltei para a casa-de-banho e continuei a desfazer a barba, quando ouvi pela terceira vez a campainha, voltei novamente ao interlocutor e apenas disse “sim”, mais uma vez ninguém respondeu. Decidi então abrir a porta de entrada para o prédio. Fui tomar banho... Entretanto ninguém tivera batido à porta. Era tarde, já seriam seis horas da tarde, a hora combinada para me encontrar contigo, e eu ainda estava em casa. Acabei de me arranjar à pressa – achei que o meu cabelo estava horrível - e antes de sair do meu quarto olhei-o, sabia que ao voltar a ele o iria encontrar como nunca antes o havia encontrado. Fechei a porta e já estava prestes a sair de casa quando voltei para trás, para o olhar novamente. Vi-o, entrei nele, tentei sentir o que era aquele quarto até ali, tentei sentir o que ele iria deixar de ser e saí então ao teu encontro.
Fiquei incomodado ao chegar ao rés-do-chão do prédio e verificar que o caixote do lixo estava completamente cheio e que devido a isso havia sacos com lixo espalhados pelo chão, aos quais juntei mais dois que trazia comigo. Tive essa preocupação, não quis deixar lixo no meu quarto. Liguei o leitor de mp3 e fiquei à espera que aparecesse no ecrã a última música que tinha ouvido - não me recordava de qual tinha sido -, achei-a adequada, quando surgiu o seu nome no ecrã, tanto mais por já a ter tido partilhado contigo. Fui assim a ouvir “Look For Me (I'll Be Around)”, de Neko Case, ao teu encontro, tentando encontrar-te a caminho do nosso local de encontro. Entretanto recebi a mensagem no telemóvel, onde me informavas que te encontravas no jardim, sentado num banco, em frente aos homens que estavam a jogar às cartas. Deixei de te procurar e fui ter contigo, e aí vi o nosso primeiro espectador. E vi-te a ti, pela primeira vez, pessoalmente. Achei-te mais parecido com as fotografias que conhecia de ti do que aquilo que estava à espera. Por instantes até me pareceste uma delas e nesse momento quase te disse que era isso que estava pensar. Mas tínhamos um acordo, não podíamos falar no nosso primeiro encontro, por isso não falámos... A regra foi cumprida, mesmo quando queria dizer-te que tu eras parecido às tuas fotografias. Mas não falei. Tu também não. Apenas falaste no nosso segundo encontro, mas não comigo, falaste com a nossa primeira espectadora consciente da acção. Ouvi assim, pela primeira vez, a tua voz, mas tu ainda não ouviste a minha. A nossa segunda espectadora é uma mulher que não sabe se está apaixonada. Uma das mulheres que eu amo.

A questão do início...


É uma questão que se coloca... Dita por palavras tuas: “que será sobre o início da performance: quando começou?”. Ainda não sei responder... tenho poucas certezas... sei que começamos a ter "elementos" concretos e, acima de tudo, sei que a performance, ou a designação que lhe queiramos dar, se está a desenvolver.

inspiração (pt. 4)

Susan Sontag – “Happening: Uma arte de justaposição radical”.
Wong Kar Wai – método de trabalho.
Enrique Vila-Matas – “Bartleby & Companhia”.

inspiração (pt. 3)

fotografia de josé luís neves.

quando te olho nos olhos e digo 'preciso da tua ajuda', é verdade. isto não é um jogo. a roupa que trago é a minha roupa. vesti-a porque vim ter contigo. e para vir ter contigo é preciso estar bem vestido. isto é a minha vida e isto é a tua vida. juntas por um fio. à espera do próximo fade out.

tu não deixas de ser o que telefona; ainda assim, eu não deixo de ser o que vai. tu queres muito ver, apesar de estares a ser visto; eu quero muito ser visto, apesar de estar a ver. porque é que não dá para sermos um só? porque é que não dá para nos libertarmos do fio e isto ser a vida tal como ela é?

num fade out ideal, eu deixaria de ser performer, tu deixarias de ser espectador. viveríamos os dois, juntos e felizes, para sempre. tal como na vida real. tal como quando é verdade. mas mesmo sendo verdade, tu vais achar sempre que estou a representar.



COISAS QUE AINDA NÃO ACONTECERAM
(e que esperamos possamos vir a desenvolver a curto prazo):


1. visitas antropológicas a locais públicos devidamente escolhidos de antemão; 2. observações participantes de sítios/pessoas/situações. nesses locais; 3. observações sem ser participantes de sítios/pessoas/situações. nesses locais; 4. observações simples de pessoas a apaixonarem-se, a namorarem, a conhecerem-se, a despedirem-se (anotar especificamente os tipos de aproximações e/ou des-aproximações que nunca antes vi/experimentei). nesses locais e noutros que forem surgindo; 5. saltar para um banco de jardim e gritar “eu amo-te!”. na primeira oportunidade que surgir. 6. “a cidade inteira deixa de ser uma metrópole, para passar a ser um centro de estudos artísticos”. a frase é da autoria do Victor Gonçalves.


textos da autoria de ROGÉRIO NUNO COSTA.

inspiração (pt. 2)

inspiração (pt. 1)

Ter-te conhecido.

Tu.
Tu e Eu.
Eu.

Thursday, November 16, 2006

IR

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